Um texto antigo, postado originalmente aqui. Para verem como eu escrevia a quatro anos atrás.
Estavam todos no ponto de ônibus. Duas senhoras, um homem grande e com certo sobrepeso, uma mulher com uma criança de colo e um menininho animado e eu. Estava calor, e isso me irritava. As senhoras tagarelavam, piorando o stress:
- Mas o tempo está louco! Ontem mesmo fui fazer um exame e estava chovendo!
- Sim sim, e eu tive que tomar quatro banhos ontem!
Olhei disfarçadamente com nojo para a segunda senhora, a que falou sobre os banhos. Afinal, quem está interessado em saber quantos banhos ela tomou? E, o pior, ela já se sente tão íntima assim para falar sobre isso com tanta naturalidade?
- E hoje esse calor... me desculpe, você falou quatro banhos? Mas por quê ?
- Tive que sair tanto de casa e pegar tanta chuva que me molhava e me sujava toda!
Mal imagino quantos ela tomaria hoje, que estava calor. O homem gordo se mexeu no banco e empurrou sem querer a mulher com a criança pra cima de mim; a criança, logicamente, chorou. E daí começou mais barulho: as senhoras conversando sobre banho, o homem se desculpando, a criança chorando e o menininho pedindo doce para a mãe. Uma moça parou ao meu lado e perguntou:
- O 30 já passou?
- Não - respondi, parecendo alegre e educada. Sempre o ônibus 30 passava quando ninguém precisava. E quando precisavam, não passava. Ouvindo a pergunta da moça, o assunto das senhoras se voltou para a demora do ônibus. Calculei mentalmente o quanto queria que ele chegasse logo: o resultado foi bem alto.
Dez minutos de espera, ainda a mesma bagunça. Só que agora o homem gordo encontrara um amigo de faculdade, parece, e conversava alegremente com ele. Quando eles se viram eu quase caí do banco do ponto de ônibus.
Dez minutos de espera, ainda a mesma bagunça. Só que agora o homem gordo encontrara um amigo de faculdade, parece, e conversava alegremente com ele. Quando eles se viram eu quase caí do banco do ponto de ônibus.
- Alberto!
- Ricardo, fala rapaz! - então o gordo se chama Alberto, foi o que pensei, depois de recuperar o fôlego com a voz grossa dos dois dando aqueles berros de velhos amigos se reencontrando. E eles falavam alto. Bem alto.
- Como está a Susie?
- Ah, nem me fale. Ela está com uma gripe horrível - Ricardo disse como se isso fosse a pior coisa que poderia acontecer.
- Puxa, é sério? Mas que coisa triste.
- É sim... e ela teve pneumonia a alguns meses atrás.
- Puxa que mal... mas e aí, viu o jogo do Palmeiras com o São Paulo?
Parei de ouvir ali. Como dois amigos de faculdade tem capacidade de se encontrar na rua e conversar sobre futebol? Não existem outras coisas mais interessantes para se falar? Depois de mais algum tempo (e um executivo se sentar dois bancos de distância de mim e discutir no Nextel sobre algum evento importante - com direito a falar alto além do bip irritante do aparelho) o ônibus finalmente chegou.
Após a viagem (com todas as pessoas do ponto dentro do ônibus, sendo que havia um rapaz ouvindo música muito alta no fone de ouvido) cheguei em casa e parei pra pensar no seguinte: é ridículo como as pessoas arranjam assunto para falar com desconhecidos e como existem assuntos ridículos para serem falados. E, claro, como um ponto de ônibus pode ser barulhento... e também bastante revelador.
entendo perfeitamente a falta de propósito dos "assuntos ridículos", é a mesma coisa que vir aqui e comentar "Gostei!" tudo bem que é melhor que nada, eu mesmo vivo fazendo isso, mas...
ResponderExcluir... a propósito, gostei do texto!
"é ridículo como as pessoas arranjam assunto para falar com desconhecidos". Igualmente como na maioria das vezes não se tem assunto com aqueles tão próximos ^^'
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